Proteção e Naturalização na Lei de Migração
- Isabela Andrade
- 1 de jul.
- 6 min de leitura
Ao longo da história, a forma como os Estados tratam os fluxos migratórios reflete diretamente suas prioridades políticas, sociais e econômicas. No Brasil, a legislação voltada à migração passou por uma transformação significativa nas últimas décadas.
Durante a ditadura civil-militar no Brasil (1964-1985), o então trigésimo presidente brasileiro, General João Batista Figueiredo, que governou entre 1979 a 1985, promulgou a lei nº 6.815/80 de 19 de agosto de 1980, conhecida como “Estatuto do Estrangeiro’, regulamentada pelo Decreto n° 88.715, de 10 de dezembro de 1981. A elaboração do Estatuto não contou com consulta à opinião pública, e o Congresso Nacional tampouco teve tempo adequado para apreciar o projeto, que foi enviado em regime de urgência e aprovado sem qualquer emenda, em menos de três meses. Esta lei foi criada como parte do plano de abertura do processo de redemocratização do país.
Logo em seu 2° artigo, o Estatuto, já evidenciava seu caráter restritivo:
Na aplicação desta Lei atender-se-á precipuamente à segurança nacional, à organização institucional, aos interesses políticos, socioeconômicos e culturais do Brasil, bem assim à defesa do trabalhador nacional.
Ou seja, deixava claro seu foco na proteção dos interesses brasileiros, excluindo os estrangeiros e priorizando os deveres desses indivíduos - como servir de mão de obra especializada (art.16) - em detrimento de seus direitos, que eram poucos e vistos como uma “mera expectativa”. Essa legislação perdurou por quase quatro décadas e, desde então, diversos projetos de modificação ou substituição foram propostos, guiando a política migratória brasileira por um longo período.
Em 24 de maio de 2017, foi sancionada a atual Lei de Migração brasileira (Lei 13.445/2017), que define os direitos e deveres de migrantes e visitantes, regulando a sua entrada e permanência no país, além de estabelecer princípios e diretrizes para políticas públicas voltadas aos emigrantes. Essa nova legislação representou um marco importante na história da política migratória brasileira, especialmente no contexto do governo Michel Temer, que assumiu após o impeachment de Dilma Rousseff. Havia grande pressão da sociedade por uma legislação migratória que fosse mais justa e humana.
A nova Lei de Migração foi regulamentada pelo Decreto n° 9.199/2017, de 20 de novembro de 2017, substituindo oficialmente o Estatuto do Estrangeiro. Todo o processo de formulação e regulamentação foi amplamente acompanhado de perto por organizações da sociedade civil, contando com a participação de pesquisadores, migrantes, instituições especializadas e demais atores envolvidos com a temática migratória. O Projeto de Lei n° 2.516/2015, que deu origem à nova lei, foi elaborado por uma Comissão de Especialistas, criada e com contribuições do Ministério da Justiça, que se preocupou em escutar diferentes interlocutores. Foram realizadas audiências públicas, além de diálogos com representantes do governo, organizações internacionais, parlamentares, especialistas e acadêmicos.
Após a aprovação da lei, em 18 de abril de 2017, mais de 151 associações de todo o Brasil e do exterior assinaram um documento pedindo sua sanção ao Presidente da República. A Lei de Migração foi finalmente sancionada em 24 de maio de 2017, embora com vinte vetos.
A nova legislação apresenta definições fundamentais, como as de imigrante, emigrante, residente fronteiriço, visitante, apátrida e refugiado. Ela estabelece uma nova lógica: ao contrário do antigo Estatuto, que vinculava migração a riscos à segurança nacional, a nova Lei parte do reconhecimento dos migrantes como sujeitos de direitos, alinhando-se aos princípios de direitos humanos fundamentais, como a universalidade e indivisibilidade. A norma repudia a criminalização da imigração, bem como qualquer forma de discriminação, xenofobia e racismo.
A Lei também garante acesso à saúde, educação, justiça, trabalho e previdência, mesmo para migrantes em situação irregular. Com isso, rompe-se o paradigma anterior, de enfoque securitário e excludente, em favor de uma abordagem garantista e inclusiva. A deportação, que antes era regra, passa a ser exceção, e a regularização migratória, a norma.
Apesar dos avanços, os migrantes ainda enfrentam muitos desafios. Um exemplo é a dificuldade de inserção no mercado de trabalho formal. Segundo uma pesquisa da ONG Visão Mundial, divulgada pela CNN no início de 2024, mais de 60% dos imigrantes no Brasil não estão formalmente empregados. Um dos motivos é a falta de documentação que comprove escolaridade ou experiência em suas áreas de atuação. Muitos migrantes não têm como arcar com os custos altos que estes serviços exigem ou esperar longos prazos burocráticos. Além disso, há demora para a regularização migratória: só para agendar um atendimento na Polícia Federal visando obter o Registro Nacional Migratório, muitos esperam meses. Isso faz com que aceitem trabalhos informais, mal remunerados e com jornadas abusivas.
Por outro lado, a nova legislação traz impactos positivos importantes. Ela está alinhada à Declaração Universal dos Direitos Humanos e ao Pacto Global para Migração, acordo internacional não vinculante adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 2018, que propõe diretrizes para a migração segura, ordenada e regular. A Lei de Migração também promove a integração sul-americana por meio do Acordo de Residência para Nacionais dos Estados Partes do Mercosul, além de facilitar a entrada de nacionais dos países de língua portuguesa, por meio de acordos com a CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa). A Lei ainda trata da concessão de vistos humanitários, com destaque para nacionais do Haiti e do Afeganistão.
Portanto, embora ainda existam diversos desafios a serem superados, muitas melhorias foram conquistadas desde 1980 até hoje, com avanços significativos no reconhecimento da dignidade, direitos e integração dos migrantes no Brasil. A Lei 13.445/2017 representa um marco importante no caminho para uma política migratória mais humana, justa e alinhada aos compromissos internacionais do país. O debate contínuo sobre o tema é essencial para garantir que os direitos assegurados pela lei se concretizem plenamente na vida dos migrantes que aqui chegam.
A naturalização como caminho para a integração e plenos direitos no Brasil
A naturalização é um instrumento fundamental para que migrantes possam consolidar sua permanência e participação plena na sociedade brasileira. Ao adquirir a cidadania brasileira, o naturalizado deixa de ser apenas um residente estrangeiro e passa a gozar de direitos e deveres equiparados aos dos brasileiros natos, abrindo portas para uma integração mais profunda e efetiva em diversas esferas da vida social, política e econômica.

Um dos principais benefícios da naturalização é o direito ao voto e à elegibilidade em eleições, o que permite ao migrante exercer seu protagonismo político e influenciar decisões que impactam diretamente sua comunidade e o país. Além disso, a cidadania brasileira facilita o acesso a cargos públicos que exigem nacionalidade, ampliando as oportunidades profissionais e de contribuição para o desenvolvimento nacional.
Na esfera econômica, a naturalização elimina diversas barreiras burocráticas que os migrantes enfrentam, como a necessidade de autorizações especiais para exercer determinadas profissões ou abrir empresas. Com a cidadania, esses entraves são superados, garantindo maior segurança jurídica para investimentos, contratos e relações trabalhistas. Isso também contribui para a inclusão social e a melhoria da qualidade de vida dos naturalizados e suas famílias.
Outro aspecto relevante é o fortalecimento do sentimento de pertencimento e identidade. A naturalização simboliza a aceitação mútua entre o migrante e o país de acolhida, fomentando vínculos culturais e sociais que são essenciais para a construção de uma sociedade plural, diversa e democrática. Essa inclusão é vital para o enfrentamento da discriminação, da xenofobia e do preconceito, pois reconhece o migrante como cidadão com direitos plenos.
Contudo, apesar dos benefícios claros, o caminho para a naturalização pode ser complexo e cheio de desafios, que vão desde a coleta de documentos, comprovação de residência, até o cumprimento de requisitos legais e linguísticos. Muitas pessoas migrantes esbarram em dificuldades burocráticas, falta de informações claras e demora nos processos, o que pode desestimular a busca pela cidadania.
Nesse sentido, o apoio especializado faz toda a diferença. A 4Rs Consultoria em Migração e Refúgio oferece um serviço dedicado para orientar e acompanhar migrantes no processo de naturalização, garantindo que todas as etapas sejam cumpridas corretamente e com o menor tempo possível. Nosso trabalho inclui a análise detalhada do caso, a preparação da documentação necessária, o encaminhamento junto aos órgãos competentes e o suporte para provas e entrevistas, sempre com foco na garantia dos direitos e na promoção da inclusão social.
Ao facilitar o acesso à naturalização, contribuímos para que mais migrantes possam exercer sua cidadania plena, fortalecer sua autonomia e construir uma vida digna no Brasil, alinhando-se aos valores de justiça, igualdade e respeito aos direitos humanos que norteiam nossa legislação migratória.
BIBLIOGRAFIA
BRASIL. Câmara dos Deputados. PL 2516/2015: Institui a Lei de Migração, revoga a Lei nº 818, de 18 de setembro de 1949 e a Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1594910 .
CONECTAS DIREITOS HUMANOS. Lei de Migração: 5 anos de um novo paradigma migratório. 2022. Disponível em:
ESCOLA VIRTUAL.GOV. Marco legal da política migratória brasileira. 2023. Disponível em: https://mooc41.escolavirtual.gov.br/mod/book/view.php?id=222938&chapterid=222193.
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MIGRAMUNDO. Mais de 100 associações entregam carta a Temer pedindo sanção da nova Lei de Migração. 2017. Disponível em: https://migramundo.com/mais-de-100-associacoes-entregam-carta-a-temer-pedindo-sancao-da-nova-lei-de-migracao/.
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